quarta-feira, 29 de maio de 2013

Dissecação.

A difração do nosso ser,
Ocupa três linhas a descrever.
Uma para a sentir
Outra para a saborear
E a última para a ver.

Sentir o vasto infinito a caber num ser
Finitamente sou
O res cogitans
O mártir do conhecimento
E a custódia da sabedoria.

Saborear a dilatação da omnipresença
A perfeição de um deus cruel
Um deus infinito,
Contendo em si todas as imperfeições.
Um deus que dorme num colchão de estrelas,
Que tortura os ácaros da inércia.

Visão
A visão impossibilitada pela escuridão do infinito.
Um coração que bate, frenético,
Audição,
O som do omnisciente,
Do tédio
Da vida que não a há
Da infinidade de seres
Mesmo sabendo que não o são.
Tacto,
Tacteando a mais profunda réstia de decência
Num mundo decadente
Num universo que decai
Numa existência que não é
Num ser que não existe.

O que é a vida, 
Sendo que a existência não passa do ser,
E o ser existe por não viver ?

segunda-feira, 27 de maio de 2013

opium.

Esfumava-se em sangue
Esvaía-se em torrentes de vento
Uma lucidez desaparecida
O escuro e verdadeiro desalento.

Uma vaga de frio percorreu as veias frias do corpo
Um corpo imobilizado
Estático
Vivo e Morto

De súbito,
O doce aroma do sangue pairava
Com amarga visão do corpo que flutuava
Um tremor visual
Uma fusão sensorial

Os sentidos,
Todos eles, enganadores

A sensação traía
O mais trágico pensamento fugia.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

scaena.

Um infame e ardente velejador
Veleja em mares sem fim
Um pobre e triste trovador
Caminha a pé a estrada.

A arte que antes era tudo
Agora é o nada.

Menosprezada, ignorada
Um mártir social.

O metafórico louco que esbraceja e esquarteja
O assassino que sorri e aniquila
Um belo pintor escondido atrás de um retrato
Um ator escondido numa máscara.

A arte não é bela para quem vê
A arte é bela para quem sente.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

helvíti.

As chamas ardentes do fim chamam
Clamam por carne e osso palpitantes
Sangue fresco que brota
Das veias salientes.

Um pitoresco carnaval de mortos
Um desfile de ebriedades
Um monte de merda que fede perante um trono
Um trono mortal de ouro e diamantes.

Um trono que chama pelo incauto
Um trono que enterra o vivo
E ressuscita o morto.

O trono da morte que amotina em si a verdade.
Que martiriza a virtude
E estrangula a vontade.

A urgência de saída 
A impossibilidade
A porta inexistente
O labirinto de escolhas
A infinidade de obstáculos.

A saída não existia. 
A porta ter-se-ia fechado.
A vida teria acabado.
A morte teria começado.

A chama apagou-se
O circo começou. 

penitus.

Um segredo bem guardado
Atrás do piano.
Estaria ele escondido,
Ou apenas abandonado?

Um rato passava silencioso,
O vento ecoava
A sala abria-se num espaço infinito
E eu perdia-me.
Perdia-me no espaço e no tempo.

Perdia-me na vida que tinha,
Perdia-me no que me faltava.
O rato passava.
O rato vivia.

Não havia nada que não invejasse no ser.
O rato era.
Nada mais.

Porque havemos nós de ser mais do que somos?
Porquê a auto-superação,
Se não passamos de seres?

E aí a sala revelou o seu brilho vítreo,
Descobri-me então num espelho.

domingo, 19 de maio de 2013

Entalpia.

O trono da mente estático.
Dourado, esperava.
Esperava a excelência de quem dependia.
De quem vivia.
Quem suportava.

O amo, pesado, danificava o trono.
Uma racha apareceu no assento.

O trono, rachado, era agora ferro-velho.
Ouro para fusão.
Ouro para reciclagem.

Reciclagem
Daí morreu.
Renasceu.

Algo lhe aconteceu que não consta da história.
O amo esperava.
O trono reinava.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Rendezvous.

Indeterminado ser,
Será impossível que seja
Mais um dos que não exista?

O vento que passa, não sinto.
O aroma que cheiro, não sinto.
O sabor que saboreio, não sinto.

A visão.

Oh a visão.

O desfocado azul da perpétua liberdade apagou-se.
O escuro reina agora.
O azul esvai-se numa metafórica conversa.

Metafórica e filosófica.
Um assunto perdido no ar e apanhado por um pássaro.
Errante, 
Teria apanhado a essência de uma conversa.

Passou mais um momento.
A visão voltara e o cheiro saboreava o vento que passava.
Agradável sensação.

sábado, 4 de maio de 2013

scissilis.

O coração batia.
Um corpo caído no chão.
O fluido que dele brotava.
Viscoso
Encarnado.

A vida que dele saíra
Olhava de cima para a morte
Um espetáculo
Uma sorte.

Assassínio automático
O daqueles que matam o corpo que constroem
Uma dor própria
Uma dor solitária
Uma morte partilhada com o ser.

O ser que o é por tanto querer ser.
O ser que quer ser.
No entanto cai
Desfalece
Redobra-se e encolhe-se

Uma vez confortável
A faca de dois gumes penetrava
O veneno efetuava
Que existência saudável.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

tralatio.

Hell calls
The eternal flame of desesperation
It has reached his beggining.

Um início que não podia,
De todo modo,
Ser esperado.

Um corpo deitado,
Ensaguentado
Molhado
Morto?

Um corpo não morre até o meterem no caixão.
A felicidade é então até aí.

Não há morte que separe o artista da sua arte.
A arte vive.
O artista vive.
Uma relação simbiótica
Eterna.

Um obrigado articula-se-lhe nos lábios
Agradecido e comovido.
Tudo o que havia sido não era outra vez.
Mudara.