terça-feira, 26 de março de 2013

மலம்

O parasita entrou no sistema.
Instalou-se nas veias.
Aí correu com o sangue.
Invadiu-me os canais.
Entupiu-me o fígado.
Modificou-me.

O comando reagiu.
Senti.
Vivi.
Ri.
Pensei.

O pensar destruiu o que tinha construído.
Não havia nenhuma bolha.
Não havia proteção.
Eu estava à deriva.
À deriva em mim.

O que estava em mim estava agora a flutuar.
A dispersar
Presságio.
Um agoiro percorreu os neurónios.
Eu sabia o que ia acontecer.
Tinha temido isso.
Tinha sentido isso.
Tinha sabido isso.

Estava a sentir-me aberto.
O meu eu dissecava-me de dentro para fora.

Estava agora pronto para estar fora.

Não.

Tudo o que eu pensara saíra.

Não.

Era tudo o que eu temia.

Não.

A merda de proteção que eu construíra.
Destruíra-se e assim me destruíra a mim.
Estava agora exposto.
Em ruínas.

Como um belo monumento trágico.

domingo, 24 de março de 2013

veternus.

A eterna existência
Sublinha-se perante um deus corrupto
Sublima-se sob uma luz corrompida
A vida.

Não terei eu uma vida curta
Dividida pelo nada de tudo ser?

Serás tu uma completa forma de me ver?

Não estou.
Não.
Não faz sentido.

Nada está claro.
Entrei em estado de sonolência.
Quase letárgico.
Morto, sucumbindo.

Nem isso repunha as energias.
Aquelas que foram gastas pelas emoções.
Sentimentos.
Seria tão mais feliz sem sentimentos.
Ironicamente.

Gastei as palavras.
Gastei os gritos.
Gastei as estrofes, os versos.
Gastei a merda de vida em que vivo.
Desgastei-me.
E assim matei-me.

segunda-feira, 18 de março de 2013

divorsus.

Oh Ultramarino
Que me deixaste a marinar
Neste desalento.

Cantei
Chorei
Berrei

Tudo fiz para de mim te poder tirar
Permaneceste.
Ficaste alapado a tudo o que havia de mim.
Uma presença,
(diga-se desta forma)
Como que cancerígena.

Iletrado sou quando não sei o que dizer
Quando tudo está dito.
Embora falte tudo.
Tudo para falar.

Deixou-se a meio a conversa do fim
Para que houvesse sempre um início à mão.

Se não se dá proveito
Que se destrua essa porta.
Que se entupa a entrada.

Possa assim ser possível a saída.
Assim sairei.

sexta-feira, 15 de março de 2013

shrinking.

E de repente a luz apagou-se.
Ouvi o terno som do crepitar
A minha pele a queimar
A carne a chamar.
Chamar pela dor.

Oh dor
que a alma sente e a carne cobiça.

Tilintou melancolicamente através de mim.
O eterno som do crepitar.
Uma queimadura
Não sei quando parar.

Incinerei tudo o que de mim restava.
E quando olhei.
Nada havia para ver.

quinta-feira, 14 de março de 2013

incustoditus.

we used to be closer than this

Tal está a perdição que sinto
Que não me sinto já próximo
Longe de ti,
Longe de mim.

Uma flor desabrochou num campo infértil
Mais tarde morreu
Deixou para trás uma maldição
"Não quererás deixar descendência
Morreste, terra senil."

Assim o é
Assim o foi.

Serei eu condenado
Amaldiçoado ?

Dói-me a alma
Dói-me a minha individualidade
Dói-me o que sou.

Terei eu acabado de ser quando não foste mais meu?
Não serei mais, então.
Passarei a ser.
Alguém que não te é.
Foi, é e será teu.
Embora não o queira.
Sinto-o.

sexta-feira, 8 de março de 2013

stridor.

Não estou,
Intrinsecamente,
A pedir vida.

Pedi no entanto,
O agoiro
De uma morte vinda
E tão depressa perdida.

Gritei

Mais ninguém ouve meus gritos senão eu
As palavras estão gastas
Os sons banalizados
Sinto-me perdido no meio de uma alalia social.
Não sou comunicável
Não comuniquei
Nem nunca tentei.

Sei que tudo o que sou já houve.

Não sou novo
Não há original
Não há bom
Não há ótimo.

Tudo é a repetição de todo o outro.
Somos nada mais do que o passado
Somos a reconstituição do passado
Somos o presente.

Gritei.

Mais uma vez solucei
Chorei
Esbracejei
Caí

De nada me serviu
Tudo continuava calmo e indiferente
Uma calma agitada
Uma mistura de sons
De cores
De tudo.

Gritei

Mais uma vez e de todo desisti
A voz faltara-me
Caíra de vez num sono profundo
Será que morri ?
Espero que sim.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Distorção.

Fabriquei de mim o último manto protetor
Sacrifiquei-me em meu nome
Construí-me
Perdi-me.

O que eu era foi-se
Quebrou-se
Multiplicou-se.

No fundo, tudo não passou de uma partenogénese.
Partenogénese do corpo
Da alma.
Da vida.
A parte que eu perdi de mim se desprendeu,
para noutro alguém permanecer.

Noutro alguém que se foi
Um nós que existira
Não me lembro bem quando
Ou como.
Sei que sim,
Existiu.

Uma voz ecoa no meu corpo
Repetição do passado
O meu interior apregoa

O meu amor por ti será
Foi,
É,
O que foi, é e será.

Luto contra uma força invisível
Luto contra mim
Luto.
A morte passou e o luto ficou.
Imprevisível.
A força abominável derrota-me
Deita-me pelo chão.

Oh demónio,
Que resides dentro de mim
Destrói-te para finalmente
Me mudar, assim.

Outrora vivi
Sobrevivi
E assim
enfim.

EU AMO-TE

E então o demónio volta a calar-se
E nas minhas vísceras o silêncio reina.
Consome-me.
Possui-me.